quarta-feira, 28 de julho de 2010

O aguadeiro e os dois potes


O aguadeiro ganhava a vida a carregar água, utilizando dois potes grandes, pendurados nas pontas de uma vara, que ele apoiava no pescoço. Todos os dia era este o trabalho daquele aguadeiro: carregar os potes de água, do poço até à casa do seu patrão.


Um dos potes tinha algumas rachaduras, enquanto o outro era perfeito. Quando o aguadeiro chegava a casa do seu patrão, depois de uma longa e penosa viagem, um dos potes estava cheio, enquanto o pote rachado trazia só metade da água. Esta foi a sina que se repetiu ao longo de dois anos... o aguadeiro a entregar um pote e meio de água na casa do seu patrão.


O pote que era perfeito estava orgulhoso da sua façanha. O outro, porém, cada vez vivia mais envergonhado da sua imperfeição, por se sentir incapaz de produzir tanto quanto o outro. Depois de carregar durante dois anos esse sentimento de culpa, o pote rachado desabafou a sua amargura com o aguadeiro, na beira do poço:


"Estou envergonhado... e quero pedir desculpas..."


"Desculpas, porquê?" – Perguntou o homem.


"Nestes dois anos, apenas consegui chegar ao destino com meia carga de água, pois estas rachaduras fazem com que ela vaze pelo caminho. Por causa deste meu defeito, tu precisas de fazer mais viagens a carregar água e isso aumenta o teu trabalho..."


O homem ficou triste e compadecido daquele velho pote... e disse:


"Quando regressarmos a casa, quero que prestes atenção à beira do caminho."


De facto, à medida que iam subindo a montanha, o velho pote rachado foi percebendo uma trilha de flores, exuberantes e belas, na beira do caminho. Achou lindo... pois nunca tinha reparado nelas... mas isso ainda não foi suficiente para o fazer esquecer a sua angústia e, no fim da viagem, novamente pediu desculpas ao aguadeiro pela sua imprestabilidade. E o aguadeiro, paciente, explicou ao pote:


"Notaste que ao longo do caminho, havia uma trilha de flores... e essa trilha era apenas do teu lado. De facto, quando eu percebi as tuas rachaduras, logo nas primeiras viagens, tirei proveito desse teu defeito e resolvi lançar sementes ao longo do caminho. Cada dia, ao passar, a tua rachadura deixava vazar água que regava as plantas. E, durante estes dois anos, eu tive a possibilidade de sentir o perfume das flores e apreciar a sua beleza, enquanto fazia o meu trabalho!"

adaptado de "A inutilidade do sofrimento", Maria Réyes

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Gente estranha

Gente estranha, essas bruxas...

É gente de conteúdo interno que transcende a compreensão medíocre, simplória. É gente que tem idealismo na alma e no coração, que traz nos olhos a luz do amanhecer e a serenidade do ocaso. Tem os dois pés no chão da realidade.
É gente que ri, chora, se emociona com uma simples carta, um telefonema, uma canção suave, um bom filme, um bom livro, um gesto de carinho, um abraço, um afago. É gente que ama e curte saudades, gosta de amigos, cultiva flores, ama os animais, admira paisagens. A poeira traz lembranças de chão curtido de sonhos passados... Escuta o som dos ventos. Dança a dança do mundo pelo simples prazer de dançar...
É gente que tem tempo para sorrir bondade, semear perdão, repartir ternura, compartilhar vivências e dar espaço para as emoções dentro de si. Emoções que fluem naturalmente de dentro do seu ser !! É gente que gosta de fazer as coisas que gosta, sem fugir de compromissos difíceis e inadiáveis, por mais desgastantes que sejam. Gente que semeia, colhe, orienta, se entende, aconselha, busca a verdade e quer sempre aprender, mesmo que seja de uma criança, de um pobre, de um analfabeto.

Gente muito estranha essas bruxas....

Gente de coração desarmado, sem ódio nem preconceitos baratos. Gente que fala com plantas e bichos. Dançam na chuva e alegram-se com o sol. Cultuam a Lua como Deusa e lhe fazem celebrações....

Eeeehhhh!!!!! Gente muito estranha essas bruxas.....

Falam de amor com os olhos iluminados, como um par de luas cheias... Gente que erra e reconhece, cai e se levanta, tem a mesma energia das grandes marés, que vão e voltam numa harmoniosa cadência natural. Apanham e assimilam os golpes, tirando lições dos erros e fazendo redentoras suas lágrimas e sofrimentos. Amam como missão sagrada e distribuem amor com a mesma serenidade que distribuem pães. Coragem é sinônimo de vida, seguem em busca dos seus sonhos, independentemente das agruras do caminho. Essa gente vê o passado como referencial, o presente como luz e o futuro como meta...

Gente estranha essas bruxas....

Acreditam no poder do feminino, estão sempre fazendo da maternidade a sua maior magia e através da incessante luta pela paz, chegam à divindade de existir pelo amor da Grande Mãe, a natureza. Da mesma forma que produzem-se num belíssimo visual, de elegância refinada com as raias da vaidade, se vestem como verdadeiras bruxas medievais, a caminho do patíbulo... Iluminam o corpo físico de beleza e jovialidade com habilidade mágica, e com facilidade transformam-se, permitindo-se um sóbrio aspecto de velha senhora, a depender da lua nos seus espíritos....

Cultuam as sagradas tradições como forma de perpetuar as leis que regem o universo, passando de geração para geração a fonte renovadora da sabedoria milenar. São fortes e valentes, ao mesmo tempo humildes e serenas. São leoas e gatinhas....

São muito estranhas as bruxas......

Com a mesma habilidade que manuseiam livros codificados, trabalham com panelas e vassouras.... São aventureiras e criam raízes, dançam rock, valsa e polka, danças sagradas....e inventam o que precisa ser inventado !!!! Criam e recriam... Contam contos e estórias de fadas e carochinhas...contam suas próprias histórias... Falam de generosidade em exercício constante, buscam a plenitude como propósito...

Interessante essa gente, essas bruxas....

Se obrigam tarefas, de evoluir, de amar, de dividir...falam de desapego em plena metrópole, em meio a tecnologia... Cantam mantras e músicas populares, mas se emocionam com as folclóricas... Mexem com ervas e chás, são primitivas e avançadas. Pulam da mesa do rei para um abrigo montanhês, com o mesmo sorriso enigmático de prazer e sabedoria que iluminava a face das suas ancestrais. Degustam um pão artesanal, receita medieval da velha senhora das montanhas, com a mesma gula que teriam em um banquete cinco estrelas, com pães ultra sofisticados, daquela celebridade da cozinha francesa... Amam em esteiras e em grandes suites, desde que sejam felizes, pois ser feliz é sempre a única condição dessa gente estranha...

É gente que compra briga pela criança abandonada, pelo velho carente, pelo homem miserável, pela falta de respeito humano... É gente que fica horas olhando as estrelas, tentando decifrar seus mistérios...e sempre conseguem... Gente que lê em fundos de xícaras, em bolas de cristal, tarot, com pedras, na areia, nas nuvens, no fogo, no copo d’água...

São muito estranhas !!!!!!

Oram para elementais, anjos e gnomos. Falam com intimidade com os Deuses e lhes chamam para um círculo, fazem fogueiras e dançam em volta. Viajam de avião, a pé, de carro e em lombos de animais, agradecendo pelas oportunidades que a vida lhes dá... aliás, essa gente estranha agradece por tudo, até pela dor, que chamam de mãe, pois acreditam que é a forma mais rápida para a evolução...Se reúnem em escolas iniciáticas que chamam de coven, para mutuamente se bastarem, se protegerem e se resguardarem, resgatando valores e estudando...

Muito estranhas são as bruxas...

Mas estranha mesmo é a fé que as mantém vivificadas ao longo de cinco mil anos... Que seja abençoada toda essa gente estranha.. Desconfio que é deste tipo de gente que a DEUSA precisa para o terceiro milénio....



Autor desconhecido

O espantoso poder das palavras


A cada dia me maravilho mais com o poder energético contido naquilo que dizemos, escrevemos, pensamos, e nas formas como a linguagem influencia o ser humano.

As palavras podem criar mundos no nosso interior, despertar memórias escondidas, conduzir-nos na auto-descoberta, podem oferecer consolo, conforto, afecto, companhia, podem excitar-nos os sentidos ou a mente, abrir-nos as portas ao conhecimento, fazer-nos crescer, amar, rir, sorrir, acreditar.

As palavras são mágicas, quando nos embalam a alma e são ditas com amor, são recheadas de paz, de simbolismo, de altruísmo, de simpatia, empatia, de carinho, e nos enovelam no perfume da pertença, do reconhecimento, na carícia do toque falado.

Se assim é, porque insistimos em fazer desta magia um instrumento aguçado destinado a magoar, quebrar, ferir, aniquilar, rasgar, sem sentimento, sem bondade, sem compreensão, sem réstea de amor e luz, os outros?

Dir-me-ão muitas vozes que assim é porque nos limitamos a responder a quem, efectivamente, nos magoou. Que a acção parte do outro, que é ele quem nos fere e nos limitamos a responder com a reacção adequada a quem sofre. E, provavelmente, na maioria das vezes, assim é. Porque somos humanos, temos emoções humanas e reagimos ferozmente a quem nos magoa, criando um círculo de dor que só pode ser quebrado de uma forma: com amor.

O amor que temos por nós mesmos, e nos permite afastar daquilo que nos faz mal, sem culpa.

O amor que temos pelos outros, que sabemos não estarem no nosso caminho, ou não terem a nossa energia, ou simplesmente terem terminado a sua caminhada nas nossas vidas (com aquilo que lá acrescentaram, sejam obstáculos e desafios sejam vias rápidas e atalhos), o amor que nos leva a libertá-los para que sigam os seus próprios passos, sem lhes causar dor com palavras de rancor, ressentimento, ira ou mágoa.

No fundo, podemos escolher, sabendo que aquilo que espalharmos retornará para nós inevitavelmente.

Traçamos o amor no peito dos outros ou perduramos na mágoa, rasgando-nos também a nós?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Aceitação


Aceita.
Aceita quem nem sempre estarás ao nível das tuas expectativas exageradas.
Que por mais que sejas, por mais que faças, nem todos os dias sentirás o sol no rosto.
Aceita que, ainda que tenhas percorrido muitas milhas, uma queda parecerá um retrocesso sempre maior. E não é.
E que os teus ponteiros "não sintonizados" nem sempre funcionarão como queres.
Aceita.
Que a tua imperfeição faz parte da tua aprendizagem. Que os teus medos, as tuas fúrias, a tua insegurança, acompanhar-te-ão até se tornarem teus amigos. E só depois começarão a surpreender-te menos. Aceita-os.
Aceita-te assim... feliz, triste, zangada/o, iluminada/o, sombria/o. Aceita que és sempre, mas sempre maior do que isso.
E que a tua humanidade é perfeita.
A melhor altura para trabalhares a aceitação é quando não te sentes digno/o desse amor maior.
Porque é exactamente essa a aprendizagem.

terça-feira, 6 de julho de 2010

truir: Cons/Ins em vez de Des

Olhamos à nossa volta e vemos constantemente pessoas a criticar outras.
Sim, por vezes pode existir realmente uma boa intenção por trás dessa crítica - mas nem sempre a forma acompanha a ideia.

Antes de mais, lembro-me de ler ou ouvir em qualquer lado que, antes de fazermos uma crítica, devemos calçar os sapatos da outra pessoa e caminhar uma milha com eles.
Nessa altura já saberemos como são os sapatos, qual o caminho que trilha. Saberemos onde tropeça e o que lhe dói.
E, sinceramente - se descobríssemos por experiência própria que os sapatos da pessoa que criticamos lhe criam bolhas dolorosas, seríamos assim tão céleres a criticar a sua má disposição? Se descobríssemos que todos os dias trilha um caminho poeirento entre silvados criticaríamos a forma como se veste? Se soubéssemos que o pouco dinheiro que tem terá que ser dividido para comer e dar de comer aos seus, bradaríamos em protesto porque nunca aceita um convite dos amigos para almoçar fora? Ou teríamos ainda coragem de bichanar que nunca oferece presentes aos colegas?

Criticamos, na maior parte dos casos, sem conhecer - essa é a verdade. E também é verdade que dificilmente reconhecemos este facto. Fazemos juízos de valor sem conhecer as pessoas em causa apenas baseados no que vemos, no que nos dizem delas.
Que direito temos então de proferir opiniões? De criticar, a menos que a nossa crítica feita correctamente possa ser algo de positivo para a pessoa?

Então vamos mais além, agora!
E quando criticamos quem de facto conhecemos? Fazemo-lo correctamente?
Fazemo-lo com o intuito de construir, de instruir? Ou de destruir?
Dizemos as palavras que são necessárias ou as que nós queremos ouvir?
Seremos capazes de guiar quem está a cometer um erro corrigindo-o/a com gentileza, mesmo que tenhamos que ser firmes? Ou por medo de o magoar deixamos que um amigo cometa um erro?

Ser amigo é aceitar a diferença e (con)viver com ela. Saber que poderemos ser chamados à responsabilidade de chamar a atenção de um amigo - não porque queiramos mandar na sua vida mas porque lhe queremos bem. E aceitar que o amigo possa ter uma opinião diferente da nossa.
Temos que aceitar que o amigo não aceite a nossa crítica. Que não acredite nas nossas palavras. Mas temos também que ter o coração bem grande para abraçar esse mesmo amigo se a sua opção correr mal, sem cair na tentação de o repreender com um "eu bem te disse". E não nos podemos divorciar deste dever para com um amigo, mesmo que saibamos que não vai ligar, que não vai ouvir, que vai levar a sua avante.

Criticar, sim - mas com firme gentileza. Ajudar o amigo a aperceber-se do que pode acontecer no caminho que escolheu. Ajudar construtivamente. Instrutivamente. Nunca destrutivamente. Pois que raio de amigos seremos nós se, mesmo que seja com boa intenção, magoamos aqueles a quem queremos bem?